quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

CESÁRIO VERDE, CRISTALIZAÇÕES (final)


D,escuro, bruscamente, ao cimo da barroca,
       Surge um perfil direito que se aguça;
       E ar matinal de quem sai da toca,
       Uma figura fina, desemboca,
       Toda abafada num casaco à russa.

Donde ela vem! A actriz que tanto cumprimento
       E a quem, à noite na plateia atraio
       Os olhos lisos como polimento!
       Com o seu rostinho estreito, friorento,
        Caminha agora para o seu ensaio.



E aos outros eu admiro os dorsos, os costados
       Como lajões. Os bons trabalhadores!
       Os filhos das lezírias, dos montados:
       Os das planícies, altos, aprumados;
       Os das montanhas, baixos, trepadores!

Mas fina de feições, o queixo hostil, distinto,
        Furtiva a tiritar em suas peles,
        Espanta-me a actrizita que hoje pinto,
        Neste Dezembro enérgico, sucinto,
        E nestes sítios suburbanos, reles!


Como animais comuns, que uma picada esquente,
        Eles, bovinos , másculos, ossudos,
        Encaram-na sanguínea, brutamente:
        E ela vacila, hesita, impaciente
        Sobre as botinhas de tacões agudos.

Porém, desempenhando o seu papel na peça,
        Sem que inda o público a passagem abra,
        O demónico arrisca-se, atravessa
        Covas, entulhos, lamaçais, depressa,
         Com seus pézinhos rápidos, de cabra!


Correspondência
1879
Coimbra

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