quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

CESÁRIO VERDE, CRISTALIZAÇÕES (cont.)


Negrejam os quintais, enxuga a alvenaria;
        Em arco, sem as núvens flutuantes,
        O céu renova a tinta corredia;
        E os charcos brilham tanto, que eu diria
        Ter ante mim lagoas de brilhantes!

E engelhem, muito embora, os fracos, os tolhidos,
       Eu tudo encontro alegremente exacto.
       Lavo, refresco, limpo os meus sentidos.
       E tangem-me, excitados, sacudidos,
       O tacto, a vista, o ouvido, o gosto, o olfacto!


Pede-me o corpo inteiro esforços na frigem
        De tão lavada e igual temperatura!
        Os ares, o caminho a luz reagem;
        Cheira-me a fogo, a silex, a ferragem;
        Sabe-me a campo, a lenha, a agricultura.

Mal encarado e negro, um pára enquanto eu passo;
       Dois assobiam, altas as marretas
       Possantes, grossas, temperadas d, aço;
       E um gordo, o mestre, com ar ralaço
       E manso, tira o nível das valetas.


Homens de carga! Assim as bestas vão curvadas!
        Que vida tão custosa! Que diabo!
        E os cavadores descansam as enxadas,
        E cospem nas calosas mãos gretadas,
        Para que não lhes escorregue o cabo.

Povo! No pano cru rasgado das camisas
        Uma bandeira penso que transluz!
        Com ela sofres, bebes, agonizas:
        Listrões de vinho lançam-lhe divisas,
        E os suspensórios traçam-lhe uma cruz! 

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