sábado, 26 de março de 2016

SEBASTIÃO DA GAMA - A corda tensa que eu sou


A corda tensa que eu sou,
o Senhor Deus é quem
a faz vibrar...


Ai linda longa melodia imensa!...
- Por mim os dedos passa Deus e então
já sou apenas Som e não
se sabe mais da corda tensa...

Sebastião da Gama (1924 - 1952), A corda tensa que eu sou, "Serra Mãe", Ed. Ática, Lisboa, 2000.




segunda-feira, 21 de março de 2016

RUY BELO: O Problema da Habitação Alguns Aspectos


Imaginatio Locorum
(...)
Talvez nos reste uma janela sobre a madrugada
cingindo o rosto aos mais distantes gestos
Acerquemo-nos mais: talvez possamos ser apenas um
num corpo só uma infância comum
Pela janela o sol e o comboio o sino e mesmo o cão
- nenhuma outra voz que não
a sua entre nós e a proibida aldeia
e os áditos de Deus e o coração da suspirada tarde
e o anónimo assobio perdido na azinhaga
com cheiros e com vozes e com passos de crianças
naquela inquietude que em si mesma se compraz



Como saber de mim? Eu - que diabo -! -
apesar de estrangeiro atrás da face pelo tempo atribuída
e de enxertado em oliveira e zambujeiro
talvez ainda tenha algumas tias
Talvez eu reconquiste ainda a minha tão perdida aldeia
e vá colhendo espargos ao longo do muro
senhor de mim como quem sabe as horas certas e notando ingenuamente
como por ser domingo as coisas que se vêem são diferentes


É talvez esse o dia em que recolho os olhos
e molho de maresia a mais vazia dor da minha ausência
Como encontrar-me? É ver-me nesse ou noutro dia
debaixo do olhar da mais jovem mulher
que como um manto branco pelos dias se desdobra
em Patmos nessa aldeia ou naquela inesquecível cidadela
setenta vezes vista blasfemada e admirada
sempre deserta e sempre povoada
aonde vale a pena o pôr-do-sol
e a palavra é mais do que nunca provisória
(...)

Ruy Belo, Obra Poética, vol 1, Editorial Presença, 2ª edição, Lx. 1984, pgs 78.

sábado, 5 de março de 2016

GREVILLEA OLIVACEA


A forma das folhas deste arbusto remete-nos para outras eras geológicas em que a adaptação ao frio era condição necessária para a sobrevivência. No entanto, hoje em dia, os híbridos da grevilea dificilmente se adaptam a temperaturas negativas. 


Por aqui na aldeia temos de contar com as geadas. Por isso não arriscaria plantá-la no meu jardim, mesmo em vaso que possa facilmente recolher na estação fria, porque já não tenho espaço coberto disponível. 


Felizmente podemos visitá-las mais a sul onde os invernos são temperados. Ou nos Açores e Madeira onde o cultivo das próteas, plantas da mesma família da gravilea, se tornou emblemático. 


Que singulares inflorescências. Fixemo-nos numa única flor de entre a massa de flores de cada conjunto. Anote-se a forma de cada uma divergindo do conjunto floral. Observemos os longos estiletes encurvados mais creme na base, tendendo primeiramente  para o amarelo claro e depois para o verde-alface, dirigindo os estigmas na direcção das anteras situadas no interior da flor. Recuemos um pouco para contemplar o efeito das inflorescências sobre o fundo verde-escuro da folhagem. Uma viagem no tempo.

Fotos de Fevereiro de 2016.