quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

À SOMBRA DA CAPELA DE NOSSA SENHORA DA PENHA DA FRANÇA, divagações.


Há dois números atrás apresentava imagens de um exemplar de Phytolacca dioica (Bela-Sombra) inserido em ambiente mediterrânico. Referi a propósito um outro exemplar no adro da igreja edificada na aldeia no século XVIII que povoou a imaginação da minha infância.  


Entretanto, ocorreu lembrar-me do adro da Capela de Nossa Senhora da Penha da França, Vista Alegre, Ílhavo - local muito da nossa eleição - e do jardim e parque que a ladeiam. 
A Capela é dos finais do século XVII. Mais recentemente foi acrescentada com as duas torres sineiras mandadas construir segundo os planos iniciais, pelo fundador da Vista Alegre.
Em comum a escolha, entre outras, da Bela-Sombra para decorar os respectivos adros.


Que sei eu da história de qualquer deles? A bem dizer, nada. Mas ocorreu-me testar a hipótese da contaminação por modas. Nessas épocas muitos navios chegaram a Portugal carregados de árvores nativas de outras paragens para a decoração dos jardins de palácios ou de grandes casas ou de jardins botânicos, segundo modelos já ensaiados em cortes mais requintadas

A outra escala, o "jardin de curé", jardim do cura, era um misto de jardim, vinha e horta na proximidade do templo, para cultivo de flores necessárias para os altares, da vinha para o vinho de missa, a par com cultura de legumes, frutas e plantas medicinais.  Tudo apenas útil.
Com o tempo passou a diferenciar-se o valor prático do meramente lúdico.


Na nossa paróquia, essa diferenciação manifestava-se a par no passal e no adro. Situado a nascente do templo e da residência do pároco, aquele sobreviveu à voragem dos apetites de liberais e republicanos. Foi área reservada para horta, vinha e pomar e também área de repouso e meditação. Hoje ao abandono, parece já não ser desejado pois, todos, sacerdotes, leigos ou nem uma coisa nem outra, prescindem de agricultar e preferem "comer da loja". 

Naqueles tempos, diziam os de condição rural (condição que me é comum): " olha! aquele, come da loja: não vai longe...". Prosperava então, modestamente, a "loja do Ti Antoino". Hoje a condição de "comedor de loja" sustenta qualquer das catedrais de consumo do Tio Belmiro e afins com a vantagem, antes nunca sonhada, de nele a clientela poder simultâneamente abastecer-se, repousar e, quiçá, meditar...


Antes também usado para sepultamentos, sobrava o adro da igreja para árvores apenas decorativas, impensável que era aproveitá-lo para plantação de outras espécies dado o historial. Além da Bela-Sombra pelos vistos em voga à data da plantação, havia ciprestes, um dos quais ainda resiste, palmeiras, freixos, um monumental lódão bastardo (celtis australis) a que, sabe-se lá porquê, chamávamos de "morangueiro" e mais prosaicamente uma laranjeira azeda cujos frutos serviam todo o povo e eram procurados para tratar as frieiras - uma doença provocada pela exposição ao frio e humidade que atacava pés e mãos e que se manifestava por inflamação e prurido e verdadeiramente só curável com "os pós de Maio". Tenho uma vaga ideia de que as folhas também eram usadas para chás. 

Na foto, ao fundo, ladeando a Capela parte do bairro operário, plátanos e outro exemplar de bela-sombra. Na segunda das fotos vê-se um grupo em peregrinação pelo jardim de buxo em direcção ao notável Museu da Vista Alegre.

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