domingo, 3 de julho de 2016

DHALIA (DÁLIAS), do necessário e do supérfluo.



No universo rural a que pertenço, o cultivo de um espaço para plantas decorativas exprimia a excepcionalidade de um instante de encantamento - pura gratuitidade - e não era acessível a todos. De habitual e durante séculos,  todas as energias estiveram focadas na tentativa de domesticação da natureza de que dependia uma parte demasiado importante dos recursos de subsistência - absoluta necessidade, absoluta sujeição. 


Mesmo na dimensão do minifúndio, que lavrador de tipo médio contou de entre todas as suas árvores, arbustos, plantas hortícolas ou herbáceas, as que cultivaria simplesmente para ver ou mostrar, colher, cheirar as flores, admirar a disposição dos ramos e folhas - puro deleite dos sentidos? 


Na aldeia, apenas as três casas maiores dispunham de espaço e de meios para sustentar um jardim onde invariavelmente pontificavam duas ou três altas palmeiras (washingtonia filifera), mais as roseiras trepadeiras (rosa hybrida), as cameleiras (camellia), as glicínias (wisteria floribunda), madressilvas (lonicera japonica), corriolas (ipomoea purpurea) ou a trobeta-da-china (campsis grandiflora). E, nas celebrações festivas, disponibilizavam a quem as procurasse e em particular à igreja, uma abundância de flores da época. 


Discretamente, pela mão da mulher, as plantas de interior dispostas em vaso foram, talvez, as primeiras a romperem aquele círculo mais restrito: jardim íntimo, oportunidade de criação, de cuidado em diálogo silencioso, contemplação e elevação, espiritualidade. 


Ao longo do século vinte foi-se alargando o número de hortas e quintais que passaram a acolher um espaço, ainda que diminuto, próximo das regadeiras, uma reserva tolerada à mulher  a quem se desculparia o enlevo por certas coisas inúteis, desde que não ultrapassassem a escala do necessário. Recordo-me primeiramente dos cravos (dianthus caryophyllus), depois dos  gladíolos (gladiolus) e crisântemos (chrysanthemum) e, sempre, das dálias (dahlia). Ainda hoje, certamente por hábito, as cultivo no quintal.  Não todas: as das fotos - bolbos-gentileza de M.M. trazidos da Holanda - foram plantadas no jardim pela minha mulher.  Flores no jardim, flores no quintal: que privilégio!

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