quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

MARÍLIA DE DIRCEU


Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
que viva de guardar alheio gado;
de tosco trato, de expressões grosseiro,
dos frios gelos e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal e nele assisto;
dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
das brancas ovelhinhas tiro o leite,
e mais as finas lãs, de que me visto.
                Graças, Marília bela,
                 graças à minha estrela!


Eu vi o meu semblante numa fonte:
dos anos ainda não está cortado;
os pastores, que habitam este monte,
respeitam o poder do meu cajado.
Com tal destreza toco a sanfoninha,
que inveja até me tem o próprio Alceste:
ao som dela concerto a voz celeste
nem canto letra, que não seja minha.
                 Graças, Marília bela,
                  graças à minha estrela!


Mas tendo tantos dotes da ventura,
só apreço lhes dou, gentil pastora,
depois que o teu afecto me segura
que queres do que tenho ser senhora.
É bom, minha Marília, é bom ser dono
de um rebanho, que cubra monte e prado;
porém, gentil pastora, o teu agrado
vale mais que um rebanho e mais que um trono.
                  Graças, Marília bela,
                   graças à minha estrela! (...)

Marília de Dirceu, Tomás António Gonzaga (1744-1810)

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