terça-feira, 27 de agosto de 2013

PSIDIUM CATTLEYANNUM (ARAÇÁ, a flor)


O botequim do Senhor Alberto, era um espaço acanhado onde cabiam por junto duas mesas, uma face encostada à parede pintada de branco, mais o balcão com uma enorme e primitiva máquina de café e a estante onde se alinhavam as garrafas e um ou outro ícone-lembrança de... Interiormente o balcão abrigava um ínfimo lavatório servido por água da rede pública e a imprescindível pedra de sabão azul da Cuf. O discreto anfitrião aguardava-nos de pé, mãos atrás das costas, segurando um pano de limpeza que usava sem que se percebesse bem onde estaria o pó que perseguia implacavelmente.


Ás vezes via-o assomar à porta deitando os olhos sobre a praça central da cidade tentando vislumbrar um potencial cliente. A sua figura alta e magra alinhava-se de tal modo com a ombreira que quase se confundia com ela. Apenas a cabeça avançava, o rosto denunciando os largos anos passados mas iluminado por uma natural bonomia.


Ali eu ia tomar diariamente o pequeno almoço. Na altura vivia só, não tinha frigorífico em casa, a humidade andava todo o ano próxima da saturação, os alimentos não se conservavam frescos por muito tempo.


A passagem era muito breve, a refeição tomada de pé, já a pensar nas pesadas tarefas que me aguardavam. Que vai ser hoje? 
Senhor Alberto, o habitual! E o habitual era café com leite, pão com queijo. 
O Senhor anda tão magro ... precisava era de um fortificante, senão ainda adoece... E que me recomenda, Senhor Alberto?  Afinal o Senhor também é bem magro! 
Fez uma larga pausa, uma mão continuava segurando o pano, a outra sobre a testa. Bem, sou magro mas de muito alimento. Um falso magro, não é? O que me dá o apetite é um cálice diário de licor caseiro de frutos do meu jardim. Tenho anona, maracujá, araçá ...
Oh, Senhor Alberto, Senhor Alberto! Saí quase correndo, enquanto o Alberto tomava mais uma nota descritiva no meu "livro dos fiados", exactamente igual à de qualquer outro dia do mês: dia tantos de tal, café, (tanto), leite (tanto), pão (tanto), queijo (tanto). Total (tanto). Quando não tinha pressa e ele estava ocupado, eu próprio o escriturava e seguia a norma. Só pagava no fim do mês e enquanto eu conferia as moedas, o Senhor Alberto antecipava, escrevendo em letra redonda: pago, tantos de tal. Seguia-se a rúbrica abreviada. 

Continuei magro, talvez por não tomar o licor de araçá. Igualmente o Senhor Alberto magro continuou, não obstante as doses diárias, nunca esquecidas nem adiadas. Guardo os livros e a quitação não se lembrasse amanhã um sucessor de me exigir pagar o que fora pago. 
Sabe qual foi o seu pequeno almoço de há 40 anos?

2 comentários:

  1. Fico feliz por apreciares a história baseada na experiência vivida num ambiente natural poderoso e instável atenuado pelo carácter manso, permanente, quase ingénuo dos habitantes.
    Obrigado. Bjnhs.

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