Primeiros dias de Maio, entre Trás-do-Passal, a Pateira e o Moinho. Na orla da clareira, delimitada em todos os lados por valas de drenagem, crescem como cortinas de abrigo, choupos, salgueiros e freixos. Às 10 horas o manto vegetal permanece orvalhado o suficiente para molhar as botas e as calças até aos joelhos.
As inflorescências brancas da cenoura-brava (daucus carota) elevam-se sobre o panasco (dactylis glomerata) e os juncos (juncus), enquanto espécies rasteiras como o ranúnculo (ranunculus) a custo se mostram nas suas flores amarelas. Sobressaem os gladíolos (gladiolus illyricus ou italicus?)
As valas são transponíveis aqui ou ali mas não ainda a que nos separa do Moinho. Paro e observo em volta. Ocorre-me a recomendação de sempre dada aos trabalhadores "Não se esqueçam de levar a tábua!", por vezes duas, desde há muitos anos as mesmas, imprescindíveis para passar as valas, transportadas pelos homens ao ombro ou pelas mulheres à cabeça. Mas a única ferramenta que levo hoje comigo é a máquina fotográfica. Não se ouvem vozes nem se avistam pessoas: apenas o chilreio dos pássaros e ao longe o motor de uma máquina agrícola. O céu está limpo: anuncia-se um dia de calor.
Este campo com cerca de um hectare, hoje inculto, foi uma magnífica vinha e pomar. O dono pertencia à discreta nobreza da terra, não em título ou em fortuna mas em carácter. Ali nos cruzámos algumas vezes pois devíamos reciprocamente servidão de passagem de pé a favor dos nossos prédios confinantes e, além do mais éramos parentes e amigos. Não esquecerei jamais a última conversa que tivemos, ali mesmo. Descubro-me à sua memória. E prossigo mas, em caminho de regresso. Com sorte, a humidade não repassará.