quarta-feira, 30 de maio de 2018

GLADIOLUS



Primeiros dias de Maio, entre Trás-do-Passal, a Pateira e o Moinho.  Na orla da clareira, delimitada em todos os lados por valas de drenagem, crescem como cortinas de abrigo, choupos, salgueiros e freixos.  Às 10 horas o manto vegetal permanece orvalhado o suficiente para molhar as botas e as calças até aos joelhos. 


As inflorescências brancas da cenoura-brava (daucus carota) elevam-se sobre o panasco (dactylis glomerata) e os juncos (juncus),  enquanto espécies rasteiras como o ranúnculo (ranunculus) a custo se mostram nas suas flores amarelas. Sobressaem os gladíolos (gladiolus illyricus ou italicus?) 


As valas são transponíveis aqui ou ali mas não ainda a que nos separa do Moinho. Paro e observo em volta. Ocorre-me a recomendação de sempre dada aos trabalhadores "Não se esqueçam de levar a tábua!", por vezes duas, desde há muitos anos as mesmas, imprescindíveis para passar as valas, transportadas pelos homens ao ombro ou pelas mulheres à cabeça. Mas a única ferramenta que levo hoje comigo é a máquina fotográfica. Não se ouvem vozes nem se avistam pessoas: apenas o chilreio dos pássaros e ao longe o motor de uma máquina agrícola. O céu está limpo: anuncia-se um dia de calor. 


Este campo com cerca de um hectare, hoje inculto, foi uma magnífica vinha e pomar. O dono pertencia à discreta nobreza da terra, não em título ou em fortuna mas em carácter. Ali nos cruzámos algumas vezes pois devíamos reciprocamente servidão de passagem de pé a favor dos nossos prédios confinantes e, além do mais éramos parentes e amigos.  Não esquecerei jamais a última conversa que tivemos, ali mesmo. Descubro-me à sua memória. E prossigo mas, em caminho de regresso. Com sorte, a humidade não repassará.  

sábado, 26 de maio de 2018

PILRITEIRO ( CRATAEGUS MONOGYNA), HAWTHORN


A "limpeza" dos solos, imperativo legal e categórico da hora, tem aplicação retroactiva. A  administração pública estatal ou administrativa autorizou a expansão urbana pelas áreas de cultivo onde já existiam árvores, arbustos e ervas que passaram a ter por vizinhos construções e edificações novas. Alargou as vias de comunicação ou rasgou novas vias à custa de terrenos cultivados.  É o progresso, não é? 


Pois... Então, não é? Criam-se em seguida servidões administrativas e as correspondentes sanções, entretanto agravadas. Há que proteger o património edificado e a segurança nas estradas. As servidões têm custos. Mas quem os suporta?  
Objectivamente, os rurais septuagenários, (na filosofia do politicamente correto, "feios, sujos, ignorantes e maus") maioritariamente de fracos recursos em dinheiro e em saúde, separados da descendência emigrada. 


Têm também um novo desafio no pilriteiro, árvore ou arbusto espontâneos,  em vias de expansão, tornando-se invasivo com o abandono dos campos.  Experimente cortá-o pela base do tronco. Ou ataque-o com meios químicos. Em vão! Na Primavera seguinte ... surpresa! o pilriteiro continuará, renascido, forte, poderoso. 
Apenas as máquinas destroçadoras poderão resolver o problema.  Teoricamente. Na prática, considerando a dimensão média da propriedade rústica nas áreas de minifúndio, por quanto fica o destroçar de cada uma destas espécies?  Que importa! - é de elementar justiça republicana! Afinal, nem os destinatários se queixam. E, depois, se se queixassem?

terça-feira, 22 de maio de 2018

PONTES


 A partir  do problema empírico traduzido na necessidade de realizar de modo permanente e duradoiro a ligação entre as margens do rio, eram múltiplas as soluções possíveis. Em todas foi usado o cálculo matemático aplicado à natureza dos materiais escolhidos, à  paisagem, incluindo o homem, ao vão a preencher, a prazos, custos e a mil e um outros condicionalismos. É manifesta igualmente a aplicação de conceitos estéticos.  


 No mesmo rio, com idêntica envolvente, uma solução diferente para o mesmo problema  só aparentemente menos sofisticada que a da foto anterior: em madeira, a "Mathematical Bridge" sobre o rio Cam, em Cambridge, Reino Unido, sólida, útil e bela em estrutura tangencial e radial. 


E a Ponte dos Suspiros, à maneira veneziana, em perfeita harmonia com a estética dos edifícios que une pelo interior. Entre a dúzia de outras pontes vizinhas nenhuma realização se mostra duplicada. Muito legitimamente a engenharia reivindica para todas elas  a designação de "obra de arte". Apenas um  desígnio estético, suportado técnica e cientificamente ou a solução pragmática de um problema em equilíbrio harmónico com a envolvente natural e construída?

sexta-feira, 18 de maio de 2018

Esta Primavera, entre o Focinho de Cão e as Cardosas.

 

Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.


Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.



Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis;
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.

Luís de Camões

sábado, 12 de maio de 2018

QUANDO O ÓPTIMO É INIMIGO DO BOM


A acumulação de sedimentos, o travamento das árvores caídas e a dinâmica das cheias, por si mesmas e na combinação entre si e com outros factores, são as causas mais comuns das alterações das margens dos rios, valas ou ribeiros.


Longe vão os tempos em que a limpeza das margens e do leito menor das valas eram confiados a profissionais, alguns encartados, que usavam ferramentas tradicionais, como a pá de valar, respeitadoras da fragilidade natural do meio. A partir dos anos 60 do século passado deixámos de poder contar com o sábio trabalho  dos valadores. Mas, por lá ficaram contendo as margens, os amieiros, choupos, freixos, salgueiros, ulmeiros, vidoeiros, vimeiros e roseiras bravas, além da vegetação rasteira. 


Apesar do Abril chuvoso, este ano não tivemos cheias. Talvez porque, por iniciativa da administração central do estado, o leito do rio  tem vindo a ser drenado. Uma dádiva valiosa do governo da nação, considerando que, por lei, compete aos proprietários nada menos do que a execução de obras hidráulicas, nomeadamente a correcção, regularização, conservação, desobstrução e limpeza do rio. Como se está mesmo a ver, encargos de valor insignificante tendo em conta os manifestos e escandalosos rendimentos  obtidos pelos agricultores na exploração familiar minifundiária ... 



São agora usados, potentes tractores e motosserras. O acesso ao rio de máquinas pesadas implica o derrube de árvores. É uma tal limpeza... Mas o objectivo é alcançado: aumento significativo do potencial de escoamento. Efeito que, por não compensado, tem um impacto negativo nas margens e, de ano para ano, uma significativa maior erosão vem acelerando a instabilidade com o derrube dos taludes. Assim, à custa dos proprietários privados, vai avançando a faixa de domínio público das margens que é, no caso do rio da aldeia, de 10 metros. Coisa de somenos...



Noutras paragens também não se dispensa o contributo das novas ferramentas. Mas há outra atenção, outra sensibilidade, outro respeito pelo meio ambiente e pelas pessoas nele envolvidas e, consequentemente, outra ponderação e outra perícia no controle da erosão e da sinuosidade. Praticam algo agora designado significativamente por bioengenharia, combinação de meios naturais e  material inerte. Os proprietários tal como o estado têm deveres legais a cumprir. Mas na distribuição dos encargos haverá ou não racionalidade e proporcionalidade em função da capacidade real dos particulares. Ou justiça, digo eu.

segunda-feira, 7 de maio de 2018

TONS e SONS da PRIMAVERA


Dir-se-ia uma paisagem banal: um troço de rio de montanha, em torrente amortecida pelo leito pedregoso. Nas margens, algumas árvores despertando indolentes do frio inverno, um relvado natural protegido, e as flores amarelas dos narcisos espontâneos na crista do talude.


A mesma paisagem vista da varanda estrategicamente voltada para o rio. 



Sons repousantes, o movimento do rio, o baloiçar das folhas tenras, a brisa fresca da manhã, as cores, tudo convidando à fusão com a natureza. 
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